terça-feira, 17 de março de 2015

Paulo Sérgio Scarpa, presente!




Nos encontramos pela primeira vez no Salão das Bandeiras, no primeiro andar do Palácio do Campo das Princesas . Era começo de 1989, aproximava-se a primeira a eleição presidencial pelo voto direto após a ditadura – pela qual você tanto lutou, engajadíssimo no Movimento Diretas Já alguns anos antes – e “doutor” Arraes, que se tornaria nossa “obsessão política” como você bem definiu, governava Pernambuco pela segunda vez.


Eu, estagiário da Editoria de Política do Jornal do Commercio. Você, o correspondente da Folha de S. Paulo, culto, experiente e premiadíssimo. Simpatizamos na lata e, daí pra frente, você viraria meu mestre no jornalismo político. E qual não foi minha felicidade quando, em 1993, você trocou a FSP pelo JC? A partir dali nos tornamos colegas de editoria, amigos de fé e parceiros de reportagens especiais. Algumas bem atrevidas. Outras, históricas. Como aquela última entrevista concedida por Arraes antes de morrer. Feita a quatro mãos, e ainda com a participação do amigo Túlio Velho Barreto e as brilhantes fotos do saudoso Alexandre Severo,  na qual o “doutor” nos surpreendeu, abrindo enfim o verbo e contando tudo o que sabia sobre a famigerada “Operação Condor”.


Passamos então a nos tratar por “gordo”. E as tantas parcerias maravilhosas terminariam coroadas em 2005, com a série de reportagens sobre os vinte anos da Nova República, posteriormente editadas em um livro, o que nos oficializava como coautores e finalistas de vários prêmios de jornalismo. Inclusive o Cristina Tavares. Era uma honra simplesmente impensável para aquele “foca” dos anos 80.

Mas as suas demonstrações de confiança e estímulo ao meu trabalho se sucediam. Fosse nas fantásticas pautas que você me sugeria vez por outra, fosse nas tantas vezes em que me escolheu como substituto, nas suas férias, para redator interino da coluna Repórter JC que você brilhantemente assinava.


É difícil para mim, hoje, lembrar os muitos episódios da nossa estreita convivência dentro e fora daquela redação, por mais de 20 anos. E a cada vez que tento fazer isso agora, a faca atravessa o peito. Eu já sabia, “gordo”, que o desfecho sinistro nos rondava, como animal selvagem à espreita. E embora soubesse o quanto sua partida faria sofrer a tantos e tantos amigos que você fez por aqui, eu tentava me consolar repetindo aquele mantra que ninguém se permite falar antes do fim. Que para você, a morte se apresentava como alívio ao sofrimento imerecido.


Hoje à tardinha, depois da chegada da notícia tão indesejada, confesso que me senti um pouco aliviado, sim. Por você. Não nos víamos desde o ano passado. Você preferia assim, embora eu e Mariana tentássemos, insistentemente, reverter essa decisão. Mas há cerca de duas semanas, gordo, nos vimos, sim. Eu te encontrei na calçada da Rua do Imperador, magrinho, de barbas brancas e boné. E absolutamente saudável. Num abraço, te falei como ficava feliz de te ver curado.


O sonho era um prenúncio, eu sabia. E tenho certeza de que hoje à noite – esta noite que será tão longa e escura para aqueles que te querem bem – você vai estar exatamente assim: magro, saudável, feliz. Não me espantaria encontra-lo à mesa com “doutor” Arraes, de charuto aceso, contando piadas e se deleitando com aquelas gargalhadas absurdas com que ele costumava nos brindar, nas intermináveis conversas “em off”. Ou, quem sabe, te veria bem sério e concentrado, taça de vinho na mão, ouvindo uma velha gravação do “Dom Giovanni” de Mozart.


Vou sentir falta, gordo, da nossa convivência. Da qual já estávamos um pouco privados pela doença, que te arrancou o imenso prazer de falar e, outro, de igual tamanho, de comer. Tenho comigo a certeza de que a maldita se agravou mais quando te sacaram – muito à sua revelia – o maior dos prazeres que você fruía: a sua pena. Sem o jornalismo diário, amigo “gordo”, você se tornou menos Scarpa. Nos resta o consolo de que não foi por sua livre escolha. Mas, mesmo privado do seu maior talento, você manteve a postura altiva de sempre, aquela sua mania de jamais reclamar das injustiças da vida.


Hoje, “gordo”, nos despedimos de você em matéria física. Mas os seus textos, assim como as suas tiradas inteligentes e seus conselhos tão acertados, esses ficarão para sempre na nossa memória. Dá um alô pro pessoal aí em cima por mim.


Um abraço do seu eterno amigo “Gordo”.

domingo, 19 de outubro de 2014

A última batalha






















Foi há muito tempo. No Século XI, por volta do ano de 1090, um nobre guerreiro se notabilizaria por feitos em batalha. Chamava-se Rodrigo Diaz, nascido em Vivar, no reino de Castela. Naquela época, a Hispânia estava dividida em vários reinos, governados por cristãos e muçulmanos – então inimigos figadais. Embora batizado pela Igreja Católica, o jovem general lideraria tropas para ambos os lados, agindo ora por laços de amizade, ora por contrato financeiro.

A ideia não é recontar aqui a longa história de Rodrigo Diaz, mas sim a lenda que se formou em torno dele, eternizando-o como El Cid – O Senhor, na língua mourisca. Tal lenda lhe atribui uma última e espetacular vitória contra os mouros, em 1099. Aos 56 anos de idade, com seu castelo cercado por inimigos, Rodrigo caiu doente e faleceu, deixando as tropas com o moral bastante abalado. Pensando em poupar vidas, seus capitães já planejavam a rendição quando sua esposa, Jimena, ordenou que o general morto fosse vestido com a melhor armadura e amarrado sobre o cavalo, de espada em punho.

A simples visão da imagem do general à frente das tropas, avançando, bastou para que os inimigos batessem em retirada. E então El Cid, o conquistador, venceu sua última batalha depois de morto.

Embora Rodrigo Diaz tenha, de fato, vivido e liderado batalhas do Medievo, muito da sua história foi reescrita, elevando-o à condição de lenda do folclore espanhol. Ainda assim – e quase mil anos depois – é possível apontar certas similitudes com um personagem central da campanha eleitoral e dos seus resultados em Pernambuco.

É inegável a verdadeira adoração dos aliados por Eduardo Campos. Assim como é difícil não enxergar a disposição do ex-governador para a luta política e sua capacidade de elevar o moral das “tropas”, mesmo em situações adversas. Eduardo sabia comandar. E sabia como levar consigo os liderados, rumo a um sonho de conquista que construiu.

Foi assim em 2006, quando costurou, praticamente sozinho, uma candidatura alternativa ao governo do Estado. Candidatura na qual, de início, poucos acreditaram. Ali, ele recuperou para o PSB mais que o poder. Foi buscar a altivez perdida para os adversários oito anos antes, e ainda vingou a derrota do avô Miguel Arraes, considerado um mito na política pernambucana.

Também foi assim, de “espada em punho”, que Eduardo comandou as articulações de uma terceira via na disputa presidencial, tese até então considerada improvável pelos estudiosos do cenário. Obstinado, como sempre – e agindo com uma dureza de general na batalha – rompeu com o PT e enfrentou de peito aberto os duros contra-ataques dos ex-aliados e sua poderosa máquina.

Eduardo fez tudo isso sem perder o foco na retaguarda das tropas. Enquanto construía nacionalmente o próprio nome, administrou brigas e ciumeiras locais entre seus “capitães” e conseguiu costurar a unidade em torno da candidatura do sucessor que escolheu, Paulo Câmara.

Pois bem. A disputa travada nas urnas deste domingo não contou com a presença física do “El Cid” pernambucano. Mas é indiscutível que – assim como aconteceu durante toda a campanha eleitoral – ele esteve lá, como força motriz de um palanque que, logo após sua morte, havia sido dado como derrotado por vários analistas.

Talvez a maior diferença entre a lenda medieval e o ‘efeito El Cid’ que vimos em Pernambuco resida no fato de não ter sido necessário encilhar o cavalo e amarrar a ele o corpo de Eduardo Campos. Seus próprios aliados encarregaram-se – e de uma forma bem insistente, diga-se – de montar a cena no imaginário do eleitor.

Eduardo Campos travou sua última batalha depois de morto. Com a vitória garantida, é o momento de permitir que ele se vá de verdade. Que troque a condição de líder pela de lenda. Agora, passa a pesar sobre seus aliados – principalmente sobre o neófito governador Paulo Câmara – a responsabilidade de montar o cavalo do general e assumir a liderança das tropas, mantendo-as unidas e com o moral elevado. Tarefa mais árdua, impossível.

* Artigo publicado em Opinião, pelo jornal Folha de Pernambuco, no dia 07/10/2014


quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Na Estrada




















"Qual é a sua estrada, homem? A estrada do místico, a estrada do louco, a estrada do arco-íris, a estrada dos peixes, qualquer estrada...
Há sempre uma estrada em qualquer lugar, para qualquer pessoa, em qualquer circunstância. Como, onde, por quê?"

J. Kerouac

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Vida em banda larga
















A gente morre todos os dias. Desde que nasceu. Mas já que o livre arbítrio permite escolher, que se morra feliz, vivendo como se deseja, ou ao menos tentando. Aproveitar cada dia como sendo o último – e não duvide, pode ser mesmo – talvez seja a fórmula ideal para não se levar na bagagem tantas memórias ruins na viagem de volta.
Esse arrodeio todo é só para comentar um comercial de televisão. Um daqueles de tiro certeiro, que com uma única frase matam a pau o telespectador. Um dos que a amiga Iara Lima – fiel observadora do mercado – certamente botaria na sua lista de “quando os publicitários acertam”.
Quem, como eu, trabalha com comunicação e marketing não costuma se deixar abalar por reclames na TV. Até porque, sabemos todos o que os move: dinheiro. Mas esse aí me fez pensar, e até me deixou meio abestalhado. Ainda mais por se tratar de um comercial de operadora de telefonia, um serviço tipo “mulher de bandido”: você apanha dele o tempo todo mas continua com ele, firme e dependente.
Pois bem, a frase única do reclame diz apenas: "A vida passa na velocidade do 4G". E vem a imagem de um menino num balanço de praça, crescendo, ficando adulto. Surge uma filha. Surge um neto...
Vai ver estou finalmente ficando velho, chegando à temida crise da meia idade. Ou talvez a emotividade seja porque assisti ao tal comercial logo após a notícia da morte do artista plástico Abelardo da Hora, nosso “Rodin do Mangue”, como bem definiu a amiga jornalista Germana Accioly. Abelardo, que lembrou Eduardo, que lembrou Ariano, que lembrou as perdas de 2014, o “Ano do Cachorro Louco”, conforme escrevi noutro texto neste blog.
Enfim, a morte assusta quando não se está preparado para lidar com ela. Mas alguém está? Numa linha mais filosófica, o apego ao externo, às “coisas terrenas”, é o causador dos quatro medos fundamentais do ser humano: nascimento, envelhecimento, doença e morte.
A receita é de um tal Sidarta Gautama, rebatizado como Buda. Ele próprio altamente hostilizado em seu tempo por defender que seria mais prolífico aos homens viver apenas um dia na virtude que cem anos na tolice.
O que me faz concluir: sou um cara de meia idade, medroso e emotivo, enfiado na tolice até a cabeça...

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O ano do cachorro louco















Nasci no mês do cachorro louco. E quem me conhece, sabe que não poderia ter escolhido data melhor. Adoro agosto, e tudo que vem com ele: chuva, frio, o cinza “celestial” e a insanidade que parece tomar conta das pessoas.

Em agosto, todo mundo fica mesmo meio diferente. É uma sensação de inquietude que começa, ainda meio imperceptível, nos estertores de julho, e só termina às vésperas do verão, em meados de setembro. Dizem que é o período do mau humor, quando há mais brigas, mais depressões e suicídios. Até mais divórcios.


E eu digo: é, sim, mera rotulação. Agosto foi transformado de vítima em algoz. Vai ver que é porque rima com “desgosto”, “encosto”, “deposto” e outras tantas palavras baixo astral. Fosse outro mês que viesse em seu lugar nessa época do ano, as rimas estavam todas perdidas e quem sabe não falavam tão mal.


Até porque, não é assim no mundo todo. Norte-americanos e europeus, por exemplo, também têm o seu mês do cachorro louco. E é abril. Nome para o qual cabem tantas outras rimas, algumas inclusive impronunciáveis num texto como este. Não por coincidência, abril encerra o período cinza-invernal lá por cima, e prenuncia a primavera de maio no hemisfério norte.


Dito isto, quero deixar registrado meu protesto em defesa do melhor período do ano. Antes de rotularem agosto como o mês das fatalidades, pensem na quantidade de mortes, tragédias e histórias tristes que aconteceram ao longo de todo 2014. Tivemos outros sete meses este ano, meus amigos. E em todos eles, o negócio foi meio punk. Ou não foi?


Senão, vejamos. Um clique rápido no pai-dos-burros virtual – a wikipedia – revela uma média de trinta “notáveis” mortos a cada mês deste ano. Tá com preguiça de checar? Aí vão alguns deles: Nelson Ned, Eduardo Coutinho, Sérgio Guerra, Bellini, José Wilker, Luciano do Valle, Mãe Dinah, Jair Rodrigues, Plínio de Arruda Sampaio, João Ubaldo Ribeiro, Norberto Odebrecht e Ariano Suassuna.


É um verdadeiro sortimento. E de áreas bem diferentes da cultura, política, economia, esportes. Sabe quantos deles se foram em agosto? Nenhum. Segui um roteiro –meio macabro, é verdade – e me limitei aos brasileiros. Dá uma média de dois “famosos” por mês. Mas se cutucar na internet, surgirão muitos outros, de várias nacionalidades, vitimados pelo cruel ceifador de 2014.


E isso porque, para evitar maiores dramas, deixei de fora tragédias coletivas, tipo quedas de avião, incêndios, desabamentos, tsunamis, terremotos, atentados terroristas e crimes de guerra. Nenhum deles registrado em agosto.


E aí? Que tal deixar meu cachorrinho em paz?

domingo, 21 de outubro de 2012

Titãs: na cabeça dos dinossauros
















Eu tinha 17 anos e ajudava a galera ali nos bastidores do saudoso “Circo Voador”. Para quem esqueceu, ou nunca ouviu falar, era uma área ao ar livre que ficava ali no Cais do Apolo, por onde passaram várias atrações nacionais e internacionais. Desde o Legião Urbana e dos Paralamas até o “Patrulha do Bairro”, carinhoso apelido que botamos no Police sem Sting, que tinha no baixo o virtuoso Stanley Clarke.

Pois bem, numa noite dessas, há vinte e
cinco anos atrás, aterrissaram por lá oito jovens malucos, para mostrar as músicas do seu novo “LP”, o Cabeça Dinossauro. Quem estava nos bastidores, pode testemunhar a descontração dos caras antes do show, brincalhões, zoeiros e meio “nem aí” pra multidão que os aguardava em frente ao palco. Mas quem estava na platéia, provavelmente não esqueceu o show.

Ontem à noite, um quarto de século depois daquela apresentação memorável, quatro dos oito malucos do Circo Voador voltaram ao Recife para reprisá-la. Dessa vez, no palco do Baile Perfumado. Um ambiente menor, mas fechado e com uma qualidade de som bem melhor.


E foi como voltar no tempo. Desde a abertura, com o ritmo primal da faixa-título dando pancada no estômago da galera, que reagiu com a fúria esperada. Na segunda música, “AA UU”, todo mundo explodiu, pulando que nem doido. E o disco veio vindo, na ordem de gravação: “Igreja” foi cantada por todos, agora sem aquele preconceito besta que alguns tinham há vinte e cinco anos. “Polícia” foi outro cacete, com Sérgio Britto instigando a galera, que improvisou até roda de pogo em frente ao palco.
 
A seguir, veio a minha preferida de todo o álbum, “Estado Violência”, única composta pelo batera Charles Gavin – nesse show substituído à altura por Mário Faber – e aquele fantástico riff de baixo composto por Nando Reis (que também não veio) e executado com perfeição por Branco Mello.
 
Em “A face do destruidor” não aguentei e me joguei na roda de pogo. E foi de lá que ouvi a levada rápida de “Porrada”, pra depois dar uma respirada em “Tô cansado”. O público novamente foi ao delírio com “Bichos Escrotos”, maior riff do disco cantado a plenos pulmões pela galera. A banda só ouvia e sorria. E vieram “Família”, “Homem primata” e “Dívidas”, fechando o set com “O quê”.
 

Depois daquele tiroteio sonoro, nem precisava de mais. Já dava pra voltar pra casa feliz. Mas os caras fizeram uma pausa e voltaram, com uma mala cheia de clássicos da banda. Rolaram músicas novas e antigas. Entre elas, “A melhor banda dos últimos tempos...”, a porrada de “Vossa excelência”, “Flores”, “Lugar nenhum”, “Aluga-se” (de Raul Seixas), “Nem sempre se pode ser Deus”, “Diversão”, “O pulso” e a fantástica “Televisão”.

Com o público enlouquecido, mas absolutamente sob seu controle, a banda ainda voltou para um segundo bis, fechando o show com “Marvin” e “Sonífera ilha”. Para os mais jovens, que viram tudo pela primeira vez, deve ter sido bom demais. Já para os velhinhos, como eu, só resta agradecer aos igualmente velhinhos Paulo Miklos, Branco Mello, Sérgio Britto e Tony Bellotto pelo que fizeram – e vem fazendo – há mais de trinta anos: puro rock and roll, com selo nacional.