domingo, 19 de outubro de 2014

A última batalha






















Foi há muito tempo. No Século XI, por volta do ano de 1090, um nobre guerreiro se notabilizaria por feitos em batalha. Chamava-se Rodrigo Diaz, nascido em Vivar, no reino de Castela. Naquela época, a Hispânia estava dividida em vários reinos, governados por cristãos e muçulmanos – então inimigos figadais. Embora batizado pela Igreja Católica, o jovem general lideraria tropas para ambos os lados, agindo ora por laços de amizade, ora por contrato financeiro.

A ideia não é recontar aqui a longa história de Rodrigo Diaz, mas sim a lenda que se formou em torno dele, eternizando-o como El Cid – O Senhor, na língua mourisca. Tal lenda lhe atribui uma última e espetacular vitória contra os mouros, em 1099. Aos 56 anos de idade, com seu castelo cercado por inimigos, Rodrigo caiu doente e faleceu, deixando as tropas com o moral bastante abalado. Pensando em poupar vidas, seus capitães já planejavam a rendição quando sua esposa, Jimena, ordenou que o general morto fosse vestido com a melhor armadura e amarrado sobre o cavalo, de espada em punho.

A simples visão da imagem do general à frente das tropas, avançando, bastou para que os inimigos batessem em retirada. E então El Cid, o conquistador, venceu sua última batalha depois de morto.

Embora Rodrigo Diaz tenha, de fato, vivido e liderado batalhas do Medievo, muito da sua história foi reescrita, elevando-o à condição de lenda do folclore espanhol. Ainda assim – e quase mil anos depois – é possível apontar certas similitudes com um personagem central da campanha eleitoral e dos seus resultados em Pernambuco.

É inegável a verdadeira adoração dos aliados por Eduardo Campos. Assim como é difícil não enxergar a disposição do ex-governador para a luta política e sua capacidade de elevar o moral das “tropas”, mesmo em situações adversas. Eduardo sabia comandar. E sabia como levar consigo os liderados, rumo a um sonho de conquista que construiu.

Foi assim em 2006, quando costurou, praticamente sozinho, uma candidatura alternativa ao governo do Estado. Candidatura na qual, de início, poucos acreditaram. Ali, ele recuperou para o PSB mais que o poder. Foi buscar a altivez perdida para os adversários oito anos antes, e ainda vingou a derrota do avô Miguel Arraes, considerado um mito na política pernambucana.

Também foi assim, de “espada em punho”, que Eduardo comandou as articulações de uma terceira via na disputa presidencial, tese até então considerada improvável pelos estudiosos do cenário. Obstinado, como sempre – e agindo com uma dureza de general na batalha – rompeu com o PT e enfrentou de peito aberto os duros contra-ataques dos ex-aliados e sua poderosa máquina.

Eduardo fez tudo isso sem perder o foco na retaguarda das tropas. Enquanto construía nacionalmente o próprio nome, administrou brigas e ciumeiras locais entre seus “capitães” e conseguiu costurar a unidade em torno da candidatura do sucessor que escolheu, Paulo Câmara.

Pois bem. A disputa travada nas urnas deste domingo não contou com a presença física do “El Cid” pernambucano. Mas é indiscutível que – assim como aconteceu durante toda a campanha eleitoral – ele esteve lá, como força motriz de um palanque que, logo após sua morte, havia sido dado como derrotado por vários analistas.

Talvez a maior diferença entre a lenda medieval e o ‘efeito El Cid’ que vimos em Pernambuco resida no fato de não ter sido necessário encilhar o cavalo e amarrar a ele o corpo de Eduardo Campos. Seus próprios aliados encarregaram-se – e de uma forma bem insistente, diga-se – de montar a cena no imaginário do eleitor.

Eduardo Campos travou sua última batalha depois de morto. Com a vitória garantida, é o momento de permitir que ele se vá de verdade. Que troque a condição de líder pela de lenda. Agora, passa a pesar sobre seus aliados – principalmente sobre o neófito governador Paulo Câmara – a responsabilidade de montar o cavalo do general e assumir a liderança das tropas, mantendo-as unidas e com o moral elevado. Tarefa mais árdua, impossível.

* Artigo publicado em Opinião, pelo jornal Folha de Pernambuco, no dia 07/10/2014


quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Na Estrada




















"Qual é a sua estrada, homem? A estrada do místico, a estrada do louco, a estrada do arco-íris, a estrada dos peixes, qualquer estrada...
Há sempre uma estrada em qualquer lugar, para qualquer pessoa, em qualquer circunstância. Como, onde, por quê?"

J. Kerouac

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Vida em banda larga
















A gente morre todos os dias. Desde que nasceu. Mas já que o livre arbítrio permite escolher, que se morra feliz, vivendo como se deseja, ou ao menos tentando. Aproveitar cada dia como sendo o último – e não duvide, pode ser mesmo – talvez seja a fórmula ideal para não se levar na bagagem tantas memórias ruins na viagem de volta.
Esse arrodeio todo é só para comentar um comercial de televisão. Um daqueles de tiro certeiro, que com uma única frase matam a pau o telespectador. Um dos que a amiga Iara Lima – fiel observadora do mercado – certamente botaria na sua lista de “quando os publicitários acertam”.
Quem, como eu, trabalha com comunicação e marketing não costuma se deixar abalar por reclames na TV. Até porque, sabemos todos o que os move: dinheiro. Mas esse aí me fez pensar, e até me deixou meio abestalhado. Ainda mais por se tratar de um comercial de operadora de telefonia, um serviço tipo “mulher de bandido”: você apanha dele o tempo todo mas continua com ele, firme e dependente.
Pois bem, a frase única do reclame diz apenas: "A vida passa na velocidade do 4G". E vem a imagem de um menino num balanço de praça, crescendo, ficando adulto. Surge uma filha. Surge um neto...
Vai ver estou finalmente ficando velho, chegando à temida crise da meia idade. Ou talvez a emotividade seja porque assisti ao tal comercial logo após a notícia da morte do artista plástico Abelardo da Hora, nosso “Rodin do Mangue”, como bem definiu a amiga jornalista Germana Accioly. Abelardo, que lembrou Eduardo, que lembrou Ariano, que lembrou as perdas de 2014, o “Ano do Cachorro Louco”, conforme escrevi noutro texto neste blog.
Enfim, a morte assusta quando não se está preparado para lidar com ela. Mas alguém está? Numa linha mais filosófica, o apego ao externo, às “coisas terrenas”, é o causador dos quatro medos fundamentais do ser humano: nascimento, envelhecimento, doença e morte.
A receita é de um tal Sidarta Gautama, rebatizado como Buda. Ele próprio altamente hostilizado em seu tempo por defender que seria mais prolífico aos homens viver apenas um dia na virtude que cem anos na tolice.
O que me faz concluir: sou um cara de meia idade, medroso e emotivo, enfiado na tolice até a cabeça...

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O ano do cachorro louco















Nasci no mês do cachorro louco. E quem me conhece, sabe que não poderia ter escolhido data melhor. Adoro agosto, e tudo que vem com ele: chuva, frio, o cinza “celestial” e a insanidade que parece tomar conta das pessoas.

Em agosto, todo mundo fica mesmo meio diferente. É uma sensação de inquietude que começa, ainda meio imperceptível, nos estertores de julho, e só termina às vésperas do verão, em meados de setembro. Dizem que é o período do mau humor, quando há mais brigas, mais depressões e suicídios. Até mais divórcios.


E eu digo: é, sim, mera rotulação. Agosto foi transformado de vítima em algoz. Vai ver que é porque rima com “desgosto”, “encosto”, “deposto” e outras tantas palavras baixo astral. Fosse outro mês que viesse em seu lugar nessa época do ano, as rimas estavam todas perdidas e quem sabe não falavam tão mal.


Até porque, não é assim no mundo todo. Norte-americanos e europeus, por exemplo, também têm o seu mês do cachorro louco. E é abril. Nome para o qual cabem tantas outras rimas, algumas inclusive impronunciáveis num texto como este. Não por coincidência, abril encerra o período cinza-invernal lá por cima, e prenuncia a primavera de maio no hemisfério norte.


Dito isto, quero deixar registrado meu protesto em defesa do melhor período do ano. Antes de rotularem agosto como o mês das fatalidades, pensem na quantidade de mortes, tragédias e histórias tristes que aconteceram ao longo de todo 2014. Tivemos outros sete meses este ano, meus amigos. E em todos eles, o negócio foi meio punk. Ou não foi?


Senão, vejamos. Um clique rápido no pai-dos-burros virtual – a wikipedia – revela uma média de trinta “notáveis” mortos a cada mês deste ano. Tá com preguiça de checar? Aí vão alguns deles: Nelson Ned, Eduardo Coutinho, Sérgio Guerra, Bellini, José Wilker, Luciano do Valle, Mãe Dinah, Jair Rodrigues, Plínio de Arruda Sampaio, João Ubaldo Ribeiro, Norberto Odebrecht e Ariano Suassuna.


É um verdadeiro sortimento. E de áreas bem diferentes da cultura, política, economia, esportes. Sabe quantos deles se foram em agosto? Nenhum. Segui um roteiro –meio macabro, é verdade – e me limitei aos brasileiros. Dá uma média de dois “famosos” por mês. Mas se cutucar na internet, surgirão muitos outros, de várias nacionalidades, vitimados pelo cruel ceifador de 2014.


E isso porque, para evitar maiores dramas, deixei de fora tragédias coletivas, tipo quedas de avião, incêndios, desabamentos, tsunamis, terremotos, atentados terroristas e crimes de guerra. Nenhum deles registrado em agosto.


E aí? Que tal deixar meu cachorrinho em paz?